sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Casamento

Ao mostrar ao marido um artigo em promoção no folheto publicitário da rede de mercados populares, a senhora de cerca de sessenta anos tocou-lhe a mão delicadamente e por instantes manteve seu dedo indicador sobre o polegar do velho homem, que segurava o informativo. Uma completa falta de segredos entre duas pessoas das quais exalava um amor experiente, o qual eu admirava pelo reflexo da janela do vagão de metrô que me levava até Entre Campos. De repente, a sua mão avançou até o alto da página, apontou-lhe um produto qualquer e eu ouvi a sua voz doce e discreta comentar, "é como os nossos". O homem confirmou a descoberta com um rápido movimento de cabeça e, sem mover a mão da base da página, parecia esperar que a da mulher retornasse para perto da sua, o que ela fez como se lhe adivinhasse um desejo. Depois, como se quisesse fazer a vida seguir seu curso, a senhora abriu a bolsa, sacou uma caderneta e passou a deitar sobre ela um texto. Ele espiou, com os óculos na ponta do nariz, a mulher a escrever e voltou à conferência das ofertas, não sem antes varrer com o olhar o espaço circundante e se assegurar de que ela continuava a salvo, protegida pela sua sobrancelha cerrada de homem leal. Tranquilamente, virou a página do panfleto e, com o mesmo olhar oblíquo, revesava-se entre as figuras no papel e a rapidez da caneta a deixar no pequeno caderno segredos de amor e de vida que eu, após sair do vagão, senti profundamente a pena de não os vir a conhecer algum dia.