terça-feira, 11 de setembro de 2012

Faro

Eu ia bem atrás dele ao sair do vagão, quando de repente senti o cheiro de lama seca a me invadir como num encantamento. Reparei naquele homem ruivo e elegante que, depois de me tomar para si com o seu suor amanhecido, parou despreocupado para ler uma qualquer notícia urgente, ancorado em suas pernas abertas, tendo os braços a segurar o jornal como se este fosse meu corpo embevecido. Com suas costas tão próximas a mim, emaranhei-me num idílio luminoso, em plena plataforma do comboio metropolitano.

Enquanto isso, o restante da manada passava por nós, ignorante àquela aura de delícias fulminantes, ocultas. Eu me deitava na terra ocre à beira de uma cachoeira, sobre a axila felpuda, à leste da vasta planície de pele macia coberta pela selva onde meus desejos corriam. Eu, com um ardor exasperado e uivante, lancei-me numa queda lenta sobre um colchão de folhas secas - quão maravilhosa esta queda! E, neste sonho, ele ria...

Eu ouvia um cavalo a relinchar num campo verde enquanto chovia, trovões emanavam dos meus passos, a anunciarem o fim daqueles instantes; fim marcado pelo odor da fera, fragrância ardida de limão e ferrugem, natureza viva, na qual sucumbia o cheiro metálico dos trilhos do trem que, entretanto, partia.

O relevo da barba ruiva, mais o desenho imaginado do animal adormecido na pubis do seu outro lado, entre as pernas abertas, a exalar, este mesmo animal sonhado, outras essências inalcançáveis.  Eu, com o rosto entre suas omoplatas e meus pés a tocarem seus pés, também estes com seus prováveis odores secretos, tal qual os da nádega voluptuosa de homem invulgar, os da cabeça vermelha, e os da nuca rija.

Seu banho adiado, seu aroma vigoroso a jorrar para fora daquele corpo o bafo que produzia seu sangue viçoso e que me ouriçava, como se me banhasse, sem saber se, depois de passar por ele para nunca mais voltar a vê-lo, haverá outro corpo que cheirará tão forte quanto ele e que tambám me faria parar o tempo para farejar em sua órbita, como farejei e plainei por este homem grande estatelado, com o jornal entre os braços, na estação unicamente a nós dois reservada, para eu viver o mistério olfativo de suas costas subitamente prostradas à minha frente.