domingo, 16 de setembro de 2012

'Manif'


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Foi pesaroso para mim assistir àquelas milhares de pessoas a ocuparem as ruas de Lisboa, em protesto contra medidas de austeridade econômica. Não digo isto para ir de encontro ao direito legítimo a manifestação popular, tampouco para dar algum azo a ações destrambelhadas da polícia - jamais! Digo tal coisa, porque pouco resultará desta marcha com mais de 100 mil pessoas nas ruas, quase 10% da população da cidade.

Portugal está por demais comprometido por acordos selados em nome da zona Euro, que depauperaram setores fundamentais de sua economia, num arranjo que reorganizou a Europa e fez com que países que já eram periféricos, como ele e a Grécia, tornassem-se ainda mais dependentes do 'centro' franco-germânico, enquanto outros, tais quais a Espanha e a Itália, passassem a comprometer divisas em nome dos interesses do Bloco, financiaram guerras desastrosas e viram, ano a ano, suas economias entrarem em colapso, em função de gestões extremas do sistema financeiro.

À Europa periférica, mediterrânica, morena, tão envolvida nesta retroalimentação macabra da fera que ajudou a criar, pouco parece restar, além dos socorros emergenciais pelo Fundo Monetário Internacional. Porém, estas "ajudas" fazem-na sucumbir a condicionantes baseadas em ajustes econômicos e sociais, que privilegiam os donos do capital especulativo e assaltam aos pobres nos seus direitos, especialmente os trabalhistas. São engolidos por aquela fera e ela tem nome, "Troika". Contra ela, o que se há de fazer?!

Instaurar uma guerra civil, romper compromissos, reinventar o socialismo, derrubar sucessivamente governos, fingir que há uma democracia? Tudo isso ou nada disso?

Diante de alternativas aterradoras, realmente vale encher as ruas de gritos, vale transpirar, vale simular uma catarse. Vale, acima de tudo, entregar a vida à ilusão de que se tem algum poder nas mãos. Mas, não, Portugal, sinto tanto ao lhe dizer que, como está, isso vai dar em lugar nenhum!
Soltar-se outra vez ao oceano, pequenino país, já não se cogita. Atrelarem-se as mãos latinas, neste sul europeu, quem sabe resultaria em uma saída, porém, onde estão a coragem, o gosto pela aventura de Roma, de Madrid e de Lisboa?!

Custa menos aos governos da Europa latina arrocharem seus povos, semearem-lhes o desespero e cumprirem - apesar dos povos - a vontade de credores internacionais, ao invés de recriarem o mundo de acordo com suas vontades, como o fizeram em outros tempos. Porém, nada nunca foi pacífico.

Resta pouco a fazer, então, Portugal. Sinto pena ao ver seus homens, mulheres, velhotes e crianças tomarem as ruas. Ao menos que isto lhes traga algum alívio e, se preciso for, algum respeito à juventude portuguesa que, numa madrugada próxima, acabará por tomar as armas para lutar desesperadamente por uma utopia sem nome; utopia amarrada por um pai com cordas quentes à perna da mesa ibérica, sobre a qual foram escritos os tais acordos que agora a fazem escrava daquele monstro sem rosto, sem voz e com inúmeros braços, alimentado durante anos pela sua própria sanha de ter e de ter mais.

O fado é seu, Portugal.
Ir à guerra contra si mesmo é menos do que aquilo que lhe reserva o futuro, tal qual anunciado nesta marcha do nada a lugar algum.