quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Da geléia espessa

Sendo o passado uma geleia espessa
onde vidas transitam fantasmagóricas,
de sua escura e encardida gosma
poderíamos subtrair qualquer certeza?

Compostas por fugas na surdina
de beijos longos entre paredes rotas,
a história, dita ciência, torna incertos
os relatos que revelam antigas eras

sujeitos que não figuram entre escolhidos
são autores de máximas façanhas:
jamais haverá, porém, arqueologia
que reconheça suas personalidades

Porque na geleia púrpura, submersas,
caras e mãos dos mártires somem,
anônimas entre as oferendas aos deuses
dos faraós, dos chás e de essênios monges

As mãos que escreveram os pergaminhos
não assinaram este novo testamento
tal qual a mulher, de Magdala
enterrada viva por machistas de batina

O passado floreado que a nós chega,
com nomes e músculos torneados
de gênios com discursos carismáticos,
não corresponde à realidade dos fatos.

Na enorme poça funda e embaçada
perde-se a luz do seu conteúdo:
dedos sem anéis a fiarem o tempo
e concubinas entre nobres aposentos.

Vale pensar que na vida após a morte
encontraremos as versões fidedignas
das idas e vindas dos acontecimentos.

Nossos olhos mergulham em gosma escura
vitimados pela sombra da injustiça
suplantados por histórias mal contadas.