sexta-feira, 16 de março de 2007

O retrato de Nuno Fontes

Desculpa lá, retratista, terei que ajeitar
da gravata o nó irregular antiquado
bem a meu gosto católico protocolar.

Quero aparecer neste retrato enfatiotado:
colete, casaca e chapéu para comemorar
minha consternada parvalhice solta,
tal qual tabaréu em meio ao fim.

Antes que tardia, minha liberdade
para ser assim, engomado, cheiroso,
penteado e combinado no detalhe
do lenço e na bengala.

Repara, retratista, neste cenário:
minha elegância ensimesmada
espreita o passado e se aconchega
naquela única certeza futura.

Arregaço minha garganta e engulo sapos,
para desentendido rir no vácuo e talvez sentir
fundo um eco seco, desleixado amarrotado,
triste, em mim, um meu contrário complemento.

Espera mais um pouco, amigo,
corre-me uma lágrima.
Mais um instante e estarei pronto
para a fotografia.

Deixa-me revisar o nó da gravata,
abotoar o fato, abrir levemente o casaco,
embotar um sorriso e me esquecer
do que não vi, tardio no século.

Eis-me, enfim, adequado ao retrato.
Estou bem, meu caro?
Faz-me perene, trabalha
enquanto cá estamos ainda.